segunda-feira, 17 de maio de 2010

Eu, Sardinha

Texto originalmente publicado no Sem Pauta e aqui no Subeta, em setembro de 2008, e válido até hoje, diariamente.

É um drama particular diário de cada indivíduo o deslocamento do ponto X (sua casa) até o ponto Y (seu trabalho, escola, faculdade, e derivados), principalmente daqueles que não possuem veículos automotores próprios. Ou seja, enquanto não inventarem um meio de transporte melhor e mais eficiente, estamos sujeitos à boa vontade das companhias de transporte.

Levantar cedo já é um problema para muitos, como eu. Levantar mais cedo ainda, para pegar ônibus, é um problema maior ainda. E olha que eu moro relativamente perto, mas não perto o suficiente para ir à pé. Pelo contrário, moro longe o bastante para depender de ônibus e perto o bastante para sempre pega-lo cheio, após ter passado por várias e várias regiões amontoando pessoas em seu interior, que provavelmente tiveram que levantar mais cedo que eu.

Certo dia, em um ônibus lotado, levando pisão no pé e cotovelada no olho enquanto tentava passar para a parte de trás (nem discuto a mania das pessoas de se amontoarem na parte da frente), refleti sobre a situação do transporte público brasileiro. É um paradoxo cíclico complexo tal como uma montanha-russa gigante.

Pois imagine você, dono de uma companhia de ônibus. Deve pensar: “esta linha leva muitos estudantes para a escola e muitos trabalhadores para o trabalho, no horário de pico. Se eu reduzir o número de veículos, posso ganhar mais a cada viagem.” Daí, você, pobre e mero usuário do transporte público, pensa: “Por quê diabos eles não colocam mais alguns ônibus nesse horário?” É, meu amigo, é só o começo.

Depois de sofrer algum tempo com os ônibus, algumas pessoas pensam: “beleza, agora vou de carro!” E colocam mais um, mais dois, três, vários carros nas ruas da cidade. Juntam-se os carros, mais os ônibus, mais a pressa e impaciência geral, bate-se no liquidificador e coloca-se um pouco de atraso e aquela prova que você está perdendo, e obtem-se um belo bolo.

E isso, quando o ônibus, de tão cheio, resolve não parar no ponto. Uma hora depois, o ônibus seguinte faz a mesma coisa. No final das contas, você, atrasado, conseguiu se amontoar em um.

E fica lá, igual a sardinha na lata, já prevendo como será o seu retorno pra casa...

Dinheiro

Estava caminhando para a saída da Bienal do Livro de Minas 2010, quando paramos para que a irmã da minha @jessie_small pudesse comprar uma revista de presente para a mãe. Passei a observar um grupo de visitantes que também se encaminhava para a saída. Parecia uma família agregada de amigos, outros parentes, ou quem mais seja.

Entre eles, uma menininha de uns dois anos, talvez. E muito provavelmente pouco tempo antes havia pedido alguma coisa para a mãe de presente. Imagino que ela, a mãe, deve ter falado com a filha que não tinha mais dinheiro pra comprar nada.

A menininha, então, tinha um problema que precisava resolver. Sua mãe não tinha dinheiro, e ela precisava dele pra conseguir o que queria. Sem talvez nem saber pra que serve o tal do dinheiro, e em toda a sua inocência,virou para uma mulher que passava pelo grupo em sentido contrário e disse:

- Moça, me dá dinheiro.

A risada foi geral. A moça riu, a família riu e eu, obviamente, também. A mãe pediu desculpas e contou pra quem não ouviu o inusitado pedido da filha. Já a garotinha continuava concentrada em sua missão e, fazendo com as mãos sabe-se lá porque o número seis com os dedinhos, pediu novamente:

- Moça, me dá dinheiro.

A mãe a pegou no colo rindo e seguiu caminho. A moça, também.

Agora, o que será que continuou passando na cabeça da menina é um mistério. Onde ela conseguiria o tal do dinheiro? Precisava de um plano melhor.







Escuta essa: Nando Reis e Cássia Eller - Relicário

Passou

"A Síndrome de Chantcler é quando uma pessoa acredita que o outro dia só chegou quando ela dorme e acorda. Exemplo: agora são 00:34 (eu devia ter vergonha na cara e ir dormir, né? Faz parte...) para mim ainda é dia 29 de abril (a despeito de já ser dia 30) e caso eu não durma e vire a noite aqui no computador, dia 30 simplesmente deixará de existir. A Síndrome de Chantcler ainda não tem cura e seu grau de influência negativa na vida de uma pessoa é muito pequena. Só é nocivo com relação a prazos porque, embora o acometido pela síndrome não perceba, o tempo realmente passa para o resto do planeta Terra." (SILVEIRA, Patrícia, n'O Placebo)

Tomo liberdade de fazer minhas as palavras da minha querida amiga Patrícia. Coincidentemente, aqui agora são 00:34 e eu estou escrevendo um texto para o dia anterior. Mas, como ainda não dormi, posso considerar que ainda é dia 16 de maio.

E foi no dia 16 de maio de 2008 que nasceu o SubetaNet. Começou como uma brincadeira, o Tratado do Terceiro Andar, e passou por tantas mudanças e fases que eu não conseguiria enumerar aqui. Mas foram dois anos importantes de maturação.

Hoje tenho mais clareza sobre não só o que representa o Subeta pra mim, como também o papel do blog como ferramente pessoal e profissional. Entendo melhor também a relação das pessoas com seus diários - nunca tive, nem o hábito, e a inconstância de postagens aqui não permitem qualificar este blog como sendo um, mas dá pra entender o valor e importância de registrar momentos e experiências.

E nestes dois anos muita coisa aconteceu, e boa parte dela ficou registrada por aqui.

Em maio de 2008, estava no segundo período do meu curso. Ainda não havia em decidido pela publicidade e trabalhava com jornalismo - e até hoje continuo me enfiando por essas áreas, apesar de ter me acertado e definido como publicitário, profissão que eu gosto e tenho crescido.

Foi em 2008 também que tive minha primeira lesão no joelho - coisa que não recomendo pra ninguém. E também algumas alegrias e decepções - igual todos os anos das nossas vidas. Veio 2009, passou e chegamos em 2010. E, de repente, o Subeta já faz 2 anos.

Se fosse uma criança, já estaria correndo por aí e começando a falar igual a um homenzinho. Como é o meu blog, ele cambaleia e fala igual um papagaio. É a vida.

Mas é isso aí: dois anos. E acho que foram só os primeiros - ou assim espero. (:

Vida longa ao SubetaNet!





Escuta essa: K'naan - Wavin Flag

terça-feira, 11 de maio de 2010

Bússola

Acordou no meio da noite com o barulho da tempestade que se aproximava. O balanço do barco já indicava que o trabalho ia ser duro e a ressaca brava. Levantou-se e parou por um segundo para tomar ânimo. Pela força do vento, essa seria forte.

Em sua vida, já havia enfrentado diversas tempestades. Umas mais brandas, outras mais arrasadoras, das que sobreviver talvez tenha sido um milagre divino. E esta noite estava preparado para encarar mais uma. E não seria a última: sua vida de pescador, sofrida e muitas vezes solitária, fazia com que ele e a forte chuva fossem quase como amantes que se encontram escondidos em alto mar no meio de uma noite estrelada.

Pegou seu casaco, a capa de chuva e partiu de encontro à mais uma batalha. Preparou tudo enquanto a chuva começava a apertar, e no auge da tempestade estava na cabine, firme como um capitão deve ser. Encarando de frente os relampagos e a ventania que assolavam seu pequeno barco, enquanto com agilidade e competência manuseava o mastro, deixou seus pensamentos se perderem nela.

Tão bela, tão apaixonante. Seus olhos pequenos o faziam feliz todas as vezes em que se encontravam, feliz como jamais sonhara ser. Se existia alguma coisa na face da Terra que valia a pena lutar, era por ela. E assim ele tirava forças para encarar e vencer mais essa tormenta. E seu suor, seu sangue, seu amor, sempre seriam recompensados com um sorriso ao nascer do dia.

Não haveria no mundo tempestade capaz de separar os dois, de impedir que ficassem juntos. Nem um monstro marinho, se aparecesse em meio aos relâmpagos, seria capaz de parar seu barco e evitar seu retorno para os braços dela. Nem mesmo os relâmpagos, estrondosos e arrasadores, e o vento que tiraria qualquer um de rota, seriam capazes de desviar sua atenção e seu coração. Ele era mais forte que tudo isso, e era mais forte por causa dela. Seu coração, no meio das trevas, tinha um farol que o guiava.

E assim ele acordou. Não era mais capitão, não era mais pescador. Mas continuava completamente apaixonado. Ficou observando ela dormir, certo de que enfrentaria toda e qualquer tempestade só para poder acordar e vê-la ao seu lado, todos os dias, de toda a sua vida.

Sem ela, estaria perdido. Ela era sua bússola.

sábado, 1 de maio de 2010

1º de Maio

Dia 1º de Maio, dia do trabalhador. Mas mais que isso: um dos dias mais tristes da minha infância.

Em 1994, eu tinha apenas 8 anos. Minha família havia se mudado recentemente (em novembro do ano anterior) de Belo Horizonte para Pará de Minas, no interior do estado, e eu estava naquela idade em que os esportes começam realmente a fazer parte da vida de qualquer garoto. Acompanhava futebol com maior frequência, começava a entender do assunto e estava virando um aficcionado por Fórmula 1.

Tive grandes ídolos no esporte, desde pequeno. No mesmo 1994, o goleiro Taffarel, com suas defesas na Copa e posterior transferência para o Galo, conquistou o coração de um jovem futuro goleiro. Mais velho, jogadores como Marques ou o tenista Guga também passaram a ser ídolos.

Mas foi ele, Ayrton Senna da Silva, ou Ayrton Senna do Brasil, meu maior ídolo da infância.

E eu me lembro como se fosse ontem do dia 1º de maio de 1994. Estava começando a acompanhar todas as corridas, a conhecer os pilotos e os carros, a me apaixonar pela velocidade.

Na manhã deste fatídico domingo, estava deitado na cama com meu pai assistindo a corrida. E é engraçado pensar como tantas pessoas, que nunca haviam sentado para ver uma volta sequer, também faziam isso nesse dia.

Lembro que a transmissão havia mostrado imagens da câmera que acompanhava o carro de Senna. Adorava essas tomadas, me sentia um piloto de Fórmula 1. E, de repente, uma outra câmera mostra seu carro passando direto na amaldiçoada Tamburello. Fiquei atônito.

Acompanhei cada segundo do atendimento médico, e passei o resto do dia grudado na frente da TV, esperando notícias. Quando meu pai me contou que haviam dado no rádio a notícia de morte cerebral, não entendi e nem acreditei: pensei que ele ainda poderia melhorar e se recuperar. Afinal, com oito anos é fácil acreditar em milagres.

Foi então que o repórter Roberto Cabrini entrou durante a transmissão da Globo e proferiu algumas das mais tristes palavras que eu me recordo já ter escutado: "Esta é uma notícia que eu jamais gostaria de dar. Morreu Ayrton Senna da Silva".

Mais uma vez eu não acreditava que era possível. Não, não com ele. Como seria possível? Lembro que chorei, e talvez pela primeira vez na vida, tive de lidar com a terrível dor da perda.

Senna não era próximo, não era conhecido, não era meu amigo de verdade. Mas, para aquele garoto de 8 anos, ele era quase um parente, um irmão mais velho. Me imaginava sendo ele, ficava horas sonhando com uma vitória em uma corrida e o Galvão gritando "Fábio Megale do Brasiiiiiiiiil", da mesma forma que fazia com Ayrton. Era um legítimo sentimento de perda.

E desde então aquele garoto nunca mais acompanhou F1 da mesma maneira. Simplesmente perdeu a graça. O vermelho da Ferrari nunca será igual o da McLaren que tantas vezes Senna pilotou, e o tremular da bandeira quadriculada nunca será tão marcante. Nem o Tema da Vitória, que até hoje emociona e resgata memórias, foi e jamais será o mesmo. O apagar das luzes da largada deixou tudo acinzentado.








Escuta essa: Tema da Vitória