sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Um breve conto de terror

Marcos era um rapaz corajoso: não tinha medo de monstros nem baratas. Para ele, essa história de superstição era só balela pra boi dormir e não ligava a mínima para gato preto nem escada. Sexta-feira 13, então? No máximo, um filme de terror.

Cético como era, não prestava muita atenção nos sinais a sua volta. Qualquer coisa estranha seria apenas uma coisa estranha. Tanto é que não ligou a mínima para as notícias um tanto bizarras do noticiário naquela manhã de sexta-feira. Um assassinato misterioso? Isso acontece todo dia. Desaparecimentos? Cada dia mais comum no nosso mundo caótico. Morcegos em plena luz do dia? Culpa do aquecimento global.

No trabalho, culpou a companhia elétrica pela falta de luz. O colega que desapareceu misteriosamente no horário do almoço deveria ter fugido para casa com diarréia - "bem que ele estava com uma cara estranha a manhã inteira", pensou. Até imaginou que a secretária estivesse jogando charme para o seu lado, já que toda hora ela olhava para ele de soslaio. E o vestido vermelho que usava, atípico para uma garota tímida como ela, deixava Marcos ainda mais seduzido.

Fim do expediente, ele prepara suas coisas para ir embora, mas resolve esperar um pouco. Depois que todos saírem, iria convidar a secretária para jantar. Afinal, era sexta e só teriam de ver o chefe na segunda. Ah, um merecido final de semana de descanso...

A secretária chamava-se Luana. Depois que todos haviam partido, Marcos se aproximou. Estava estranhamente otimista. A convidou para jantar. Ela aceitou, mas teria de passar em casa antes pois havia esquecido de alimentar sua gata de estimação. Como estava sem carro, perguntou se Marcos poderia dar uma carona e, quem sabe, ele até entrasse para beber alguma coisa. Ele, feliz e sem desconfiar de nada, aceitou.

A lua estava bela. Completamente cheia, parecia até maior que o habitual. O clima não podia ser mais perfeito.

Enquanto dirigia, Marcos e Luana mal conversaram. Havia uma tensão forte entre eles, e o perfume dela quase o matava. Praticamente não se aguentava mais quando chegaram à casa. Entraram. A casa era simples, mas extremamente bem decorada. Os tons de vermelho e vinho da decoração não seriam mais perfeitos do que já eram.

Marcos ficou esperando na sala, enquanto Luana iria na cozinha alimentar sua gata. Quando voltou, ela trazia duas taças e uma garrafa de vinho. Marcos já não pensava mais, estava totalmente dominado.

Luana os serviu, e o primeiro gole desceu suavemente pela garganta dele. Sentaram-se no sofá, e do som começou a tocar um misterioso jazz. Marcos reparou que o ambiente era iluminado por velas, mas não se lembrava de ver Luana as acendendo. Talvez fosse o vinho. Isso também explicaria o estranho brilho no olhar dela. Não devia ser nada demais.

Se aproximaram. Ela fez que ia beija-lo, mas desviou o rosto. Ele beijou seu rosto. Ela beijou suavemente seu pescoço. E então Marcos sentiu um calor intenso, algo que nunca havia sentido. Sua cabeça doía, estava quase explodindo. Olhou para o telhado e viu as sombras de um morcego. Não entendeu. Apagou.

Algum tempo depois, quando acordou, estava em um quarto estranho. Não se lembrava de como havia chegado até ali. Levantou-se, e caminhou até o banheiro. Olhou-se no espelho. Estava mais branco que o costume, pálido. Será que estava doente? Sua última lembrança era de estar chegando no trabalho e reparar na secretária, que estava diferente. Seus olhos... mas depois disso, não conseguia... não fazia sentido...

Escutou um barulho. Ficou parado, tentando não fazer barulho. Sua respiração estava ofegante, estava com medo. Começou a lembrar-se de todas as coisas estranhas que havia visto e que começavam a fazer sentido, como peças de um quebra-cabeças. A carona, o vinho, o calor... começava a se lembrar...

Mas onde estava? Se virou. Um gato o encarava do outro lado. Mas Marcos entendeu que não era um macho, mas sim uma fêmea. Lembrou-se de onde estava. Negra como a noite, com seus olhos amarelos e brilhantes, a gata começou a andar em sua direção. Marcos recuou, mas não havia para onde fugir. A gata se aproximava, cada vez mais. Ele olhou para os lados, tentando encontrar algum objeto com o qual se defender, mas o mais próximo de uma arma que encontrou foi uma escova de dentes, o que definitivamente não o ajudaria neste momento, a menos que o gato tivesse mal hálito. Sempre gostou de fazer piadas, e não pretendia morrer fazendo uma piada ruim dessas. Lembrava da sua infância e se arrependia profundamente de não ter seguido o sonho de ser escritor. Trabalhar em escritórios? Péssima idéia. Ia ser promovido em breve e precisava encontrar uma solução para evitar isso.

A janela era uma péssima opção. Se fosse a gata quem estivesse tentando fugir, poderia até dar certo. Mas ele era grande demais. Não passaria. O jeito seria inverter a situação. Afinal, ele era grande demais, e a gata poderia ser somente uma gata. Bem assustadora, mas somente uma gata. Resolveu partir pra cima. Se armou com a escova de dentes e saiu correndo em direção a porta do banheiro.

"Uma escova de dentes não vai te ajudar muito não."

Marcos assustou-se. Havia acabado de sair correndo do banheiro, quando ouviu uma voz. Parou. Virou-se lentamente para olhar a dona da voz, embora preferisse continuar encarando a gata. Parecia mais seguro. Luana estava ao seu lado, em seu vestido vermelho, encarando-o. Aproximou-se dele e acariciou seu rosto. Olhou para o pescoço de Marcos, onde haviam duas pequenas marcas. Ele não havia reparado nelas ainda, mas percebeu que estava com sérios problemas.

Precisava fugir. Tentou argumentar que havia esquecido o fogão aceso em casa, e sair de fininho pela porta. Correu em direção a algum lugar, tentando achar a saída. Encontrou a sala. No sofá, Luana já o esperava. A iluminação era a mesma, mas a música era outra: uma ópera bastante fúnebre. Combinava bastante com o momento, embora Marcos preferisse algo mais alegre, talvez até um samba. Tentou voltar, mas a gata estava atrás dele. Estava ficando sem opções.

Lembrou-se que ainda segurava a escova de dentes. Não sabia como aquilo poderia ser útil, mas era o que ele tinha em mãos. Precisava de um plano urgentemente. Luana levantou-se, e caminhou em sua direção. Era o fim. Não queria ser o prato principal e a sobremesa na mesma noite.

Se seus cálculos estivessem certos, e tudo indicava que sim, Luana era uma vampira. Dizem os filmes que mata-se vampiros com uma estaca no coração. Será que escovas de dente servem? Precisava de algo pontiagudo. Olhou ao redor. Nada. Ela não era marinheira de primeira viagem, era do tipo que só comprava tesoura sem ponta.

Marcos correu. Achou que a cozinha seria um lugar um pouco mais seguro, embora menos apropriado. Talvez encontrasse alho ou algum outro tempero e principalmente alguma coisa que fosse mais útil que uma escova nesse momento. Mas que vampiro guarda alho e estacas em casa? Só havia comida congelada, e Marcos não ficou muito empolgado com a idéia de descobrir qual o tipo de comida que havia no freezer e nem com a idéia de morar lá. Gostava da sua casa. Era simples, mas gostava.

Freneticamente, abriu armários e gavetas. Não encontrou nada. Não havia porta dos fundos na casa, apenas uma entrada. Nem janelas, somente no banheiro e na sala, e ele não gostava muito da idéia de voltar em nenhum dos dois.

Pensou. Só havia uma única saída. Bolou um plano, o melhor que conseguiu nas circunstâncias. Teria de funcionar. Precisaria ser ousado. Correu.

Luana continuava no sofá. Ele achou estranho, pois ela havia levantado. A gata havia desaparecido. Era estranho, também. Resolveu não se preocupar, não tinha tempo para isso. Pegou um dos castiçais, enquanto Luana o olhava atentamente. Esperou.

Ela se levantou, ele agiu rápido: jogou as velas no chão, e o tapete entrou em chamas. O fogo é perigoso até para os vampiros, e Luana recuou. O fogo alastrou-se rápido e uma barreira surgiu entre eles. Então Marcos percebeu seu erro. Havia ficado do lado errado. Entre ele e a porta não havia mais somente uma vampira assustadora, mas também uma parede de fogo.

Em pouco tempo, ele estava cercado. O fogo se alastrou e as chamas tomaram conta da sala. Luana havia desaparecido. O jeito era atravessar as chamas correndo e alcançar a porta, antes que a situação piorasse. Fechou os olhos e foi. Misteriosamente, conseguiu. Seu carro havia desaparecido, então correu para casa o mais rápido que pôde. Não havia pessoas na rua, nem ônibus, nem algum outro meio de transporte.

Chegou em casa ao amanhecer. Se trancou no seu quarto e passou todo o final de semana lá. Mal conseguia dormir e só saia para buscar algo para comer na geladeira.

Na segunda-feira, cogitou não aparecer no emprego. Mas achou que poderia estar seguro lá se levasse algumas cabeças de alho e crucifixos, e não se deixasse cair em tentação. Passou no supermercado antes, se armou, e foi.

Esperava não encontrar Luana por lá. Quando chegou no andar em que trabalhava, um frio subiu pela espinha: ela estava na recepção. Aproximou-se lentamente, mas ficou levemente aliviado ao perceber que ela usava suas roupas habituais. Tentou passar despercebidamente, quando aquela voz suave e mortal o chamou: "Bom dia, Marcos."

Ele se virou lentamente. Ela olhava estranhamente para ele, e seu sorriso era mais estranho ainda. O frio na espinha agora parecia nitrogênio líquido. Esperava que ela não dissesse nada, que tudo tivesse sido um pesadelo, mas ela pronunciou as palavras que ele mais temia: "Por favor, o senhor poderia me devolver a minha escova de dentes?"

Um comentário:

Patrícia disse...

PIr um momento, pensei que você culparia o acelerador de partículas...

Pobres Vampiros, todo mundo sempre muda um pouquinha alenda original... Eles não se refletem no espelho... tsc tsc